quinta-feira, 30 de agosto de 2012

OS CONTOS DE BEEDLE, O BARDO




COMENTÁRIOS DE ALVO DUMBLEDORE SOBRE
“O bruxo e o caldeirão saltitante”


UM VELHO BRUXO GENEROSO resolve dar uma lição ao filho insensível, apresentando-lhe uma amostra do sofrimento dos trouxas locais. Desperta assim a consciência do jovem mago, que concorda em usar sua magia em benefício dos vizinhos não-mágicos. A primeira vista, uma fábula simples e comovente, e ao crer nisso, a pessoa se revelaria uma pobre inocente.
Uma história pró-trouxas, retratando um pai que ama os trouxas e é superior em magia a um filho que os detesta? É no mínimo surpreendente que qualquer cópia da versão original desse conto tenha sobrevivido às chamas a que frequentemente foi lançada. Beedle estava fora de sintonia com seu tempo ao pregar uma mensagem de amor fraternal aos trouxas.
No início do século XV, a perseguição de bruxos se intensificava por toda a Europa. Muitos na comunidade mágica achavam, com toda a razão, que se oferecer para lançar um feitiço no porco doente do vizinho trouxa equivalia a se oferecer para buscar lenha para sua pira [1]. “Que os trouxas se arranjem sozinhos!”, bradavam os bruxos ao mesmo tempo em que se afastavam cada vez mais dos seus irmãos não-mágicos, um movimento que culminou no Código Internacional de Sigilo em Magia, em 1689, data em que eles entraram por livre e espontânea vontade na clandestinidade.

[1] É verdade que os bruxos e bruxas legítimos tinham razoável experiência em escapar da fogueira, do cepo e da forca (ver meus comentários sobre Lisette de Lapin nas notas sobre “Babbitty, a Coelha, e seu Toco Gargalhante”). Contudo, ocorreram de fato numerosas mortes: Sir Nicholas de Mimsy-Porpington (em vida, um bruxo na corte real e, na morte, o fantasma da Torre da Grifinória) revê sua varinha confiscada antes de ser trancado em uma masmorra, e assim ficou impedido de usar magia para fugir à sua execução. E as famílias bruxas eram particularmente sujeitas a perder membros mais jovens, cuja inabilidade para controlar seus poderes mágicos os tornava conspícuos e vulneráveis aos caçadores de bruxos.

Contudo, sendo as crianças como são, o grotesco caldeirão saltitante cativou sua imaginação. A solução foi eliminar a moral pró-trouxa, mas preservar o caldeirão verruguento, e, já na metade do século XVI, uma nova versão do conto circulava amplamente entre as famílias bruxas. Na história revista, o caldeirão saltitante protege um inocente bruxo dos seus vizinhos armados de archotes, afugentando-os de sua cabana, capturando-os e engolindo-os inteiros. No final da história, quando a panela já consumiu a maioria dos vizinhos, o bruxo obtém, dos poucos aldeões que restaram, a promessa de que o deixarão praticar sua magia em paz. Em troca, ele instrui a panela a devolver as vítimas, que são devidamente arrotadas de suas profundezas, ligeiramente estropiadas. Até hoje, algumas crianças bruxas ouvem apenas esta versão revista contada por seus pais (em geral antitrouxas), e a original, se e quando a lêem, é uma grande surpresa.
Conforme sugeri anteriormente, no entanto, o sentimento pró-trouxa não foi a única razão pela qual “O Bruxo e o Caldeirão Saltitante” atraiu indignação.
À medida que a caça aos bruxos se encarniçava, as famílias bruxas começaram a levar vidas duplas, usando Feitiços de Ocultação para proteger a si mesmas. Por volta do século XVII, qualquer bruxo, homem ou mulher, que confraternizasse com trouxas se tornava suspeito, e até marginalizado em sua própria comunidade. Entre os muitos insultos lançados contra os pró-trouxas (os sugestivos epítetos de “chafurdeiro”, “lambe-bosta” e “baba-ralé” datam desse período), havia a acusação de praticarem uma magia ineficaz ou inferior.
Bruxos influentes da época, como Bruto Malfoy, editor de Feitiçaria Aguerrida, um periódico anti-trouxa, perpetuou o estereótipo de que um bruxo amante de trouxas era tão mágico quanto um bruxo abortado [2].

[2] [O bruxo abortado ou aborto é o filho de pais bruxos que não possui poderes mágicos. Tal ocorrência é rara. Os bruxos e bruxas filhos de pais trouxas são muito mais comuns. JKR]

Em 1675, Bruto escreveu:

Isto podemos afirmar com segurança: qualquer bruxo que demonstre apreciar a sociedade dos trouxas tem uma fraca inteligência e uma mágica tão débil e digna de pena que ele só pode se sentir superior quando se cerca de porqueiros trouxas. Nada é um sinal mais infalível de mágica ineficaz do que a fraqueza para conviver com não-mágicos.

Este preconceito foi gradualmente se extinguindo em face da avassaladora evidência de que alguns dos bruxos [3] mais brilhantes do mundo foram, para usar o termo comum, “amantes dos trouxas”.

[3] Como eu próprio.

A objeção final a “O Bruxo e o Caldeirão Saltitante” ainda hoje permanece viva em certos setores. Beatrix Bloxam (1794-1910), autora do abominável Os Contos do Chapéu-de-Sapo, foi, talvez, quem melhor resumiu a questão.
A Sra. Bloxam acreditava que Os Contos de Beedle, o Bardo prejudicavam as crianças por sua “mórbida preocupação com assuntos horrendos como morte, doença, derramamento de sangue, magia perversa, personagens perniciosos, e efusões e erupções corporais dos tipos mais repugnantes”. A Sra. Bloxam reuniu uma coleção de histórias antigas, inclusive várias de Beedle, e reescreveu-as de acordo com os seus ideais, que, em suas palavras, “incutiam nas mentes puras dos nossos anjinhos, saudáveis pensamentos de felicidade, mantinham o seu doce repouso livre de sonhos maus e protegiam a preciosa flor de sua inocência”.
Lemos no parágrafo final da pura e valiosa reescritura de “O Bruxo e o Caldeirão Saltitante”:

Então a panelinha dourada dançou de prazer — tim tirim tim! — batendo seus pezinhos rosados! Willyzinho tinha curado as barriguinhas dodóis de todas as bonequinhas, e a panelinha ficou tão feliz que se encheu de docinhos para Willyzinho e suas bonequinhas!
— Mas não se esqueça de escovar os seus dentinhos! — gritou a panela.
E Willyzinho abraçou e beijou o caldeirão saltitante e prometeu sempre ajudar as bonequinhas e jamais voltar a ser ranzinza.

O conto da Sra. Bloxam provocou a mesma reação em gerações de crianças bruxas: incontroláveis ânsias de vômito, seguidas por imediatos pedidos para que alguém levasse o livro e o transformasse em pasta.







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