quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O MANUAL DO BRUXO - ALLAN ZOLA KRONZEK - 2







No mundo da bruxaria, a magia é um modo de realizar coisas impossíveis pelas leis naturais, que limitam o resto das pessoas. Os bruxos podem usar o Pó de Flu para ir de um lugar para o outro, ao passo que os não-magos são obrigados a ir a pé ou pegar um ônibus.



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Aos onze anos, Harry Potter tem a maior surpresa de sua vida. Ao contrário da Tia Petúnia e do Tio Válter, ao contrário do horrível primo Duda e de todos que ele conhece, Harry é capaz de fazer mágicas. Pode fazer crescer uma cabeleira da noite para o dia, fazer uma vidraça desaparecer no zoológico e encolher um suéter feioso, sem a ajuda de uma máquina de secar. E, conforme Hagrid lhe explica com muita satisfação, um breve período de treinamento na Escola de Bruxaria e Magia de Hogwarts vai permitir que ele faça mais, muito mais.
No mundo da bruxaria, a magia é um modo de realizar coisas impossíveis pelas leis naturais, que limitam o resto das pessoas. Os bruxos podem usar o Pó de Flu para ir de um lugar para o outro, ao passo que os não-magos são obrigados a ir a pé ou pegar um ônibus. Alvo Dumbledore pode apontar sua varinha mágica e pronunciar algumas palavras mágicas para encher o salão de Hogwarts com sacos de dormir. Uma pessoa comum teria que ir a uma loja, comprar os sacos de dormir, carregá-los em uma caminhonete, trazê-los até a escola e levar tudo para dentro. Sirius Black pode usar a magia para se transformar em um cão, enquanto quem não é mago tem de se contentar em vestir uma fantasia.
Por mais que nos encante ler a respeito das proezas desses magos ficcionais, a maioria das pessoas no mundo moderno não acredita em magia. Apreciamos as apresentações de mágicos nos teatros ou circos, que nos dão a experiência da magia, mas na verdade não esperamos que eles façam o impossível acontecer. E também não são muitos os que acreditam em uma outra ideia comum da magia, no passado — a idéia de que o mundo é controlado por seres sobrenaturais, cujo poder pode ser subjugado e usado por humanos a fim de alcançar seus objetivos.
Porém, ao longo de quase toda a história ocidental, as pessoas acreditaram de fato na magia e confiavam em forças invisíveis e sobrenaturais para exercer poder sobre os outros ou para controlar o mundo natural. As pessoas praticavam a magia para adquirir conhecimento, amor e riqueza, para curar doenças e prevenir-se contra perigos, para prejudicar ou enganar os inimigos, para garantir o sucesso ou a produtividade e para conhecer o futuro. Os métodos mágicos compreendiam muitas das técnicas ensinadas em Hogwarts, como feitiços, poções, encantamentos e adivinhação, bem como rituais e cerimônias minuciosas, destinadas a invocar deuses, demônios e fantasmas. A prática da magia ajudava as pessoas a aliviar suas aflições e ter a sensação de que faziam alguma coisa para controlar o curso de suas vidas.


¯ A ORIGEM DA MAGIA ¯

A palavra magia deriva do nome dos altos sacerdotes da antiga Pérsia (o atual Irã), chamados magi. No século VI a.C., os magi eram conhecidos por sua profunda sabedoria e por seus dons de profecia. Adeptos do líder religioso Zoroastro, eles interpretavam sonhos, praticavam a astrologia e davam conselhos aos soberanos a respeito de questões importantes. Quando os magi se tornaram conhecidos nos mundos grego e romano, eram vistos como figuras extremamente misteriosas, senhores de segredos profundos e de poderes sobrenaturais. Ninguém sabia, na verdade, exatamente que poderes eram esses (afinal, eram secretos!), mas durante um longo tempo qualquer coisa considerada sobrenatural era tida como criação dos magi e chamada de “magia”. De fato, o próprio Zoroastro foi muitas vezes chamado de o inventor da magia.
É claro que, na verdade, nenhum indivíduo e nenhuma cultura isolada inventaram a magia. Os procedimentos mágicos transmitidos de geração em geração, ao longo dos séculos, tiveram origem em muitas civilizações, inclusive nas dos antigos persas, babilônios, egípcios, hebreus, gregos e romanos. A tradição mágica ocidental, como hoje a conhecemos, deve muito à troca de idéias entre membros de diferentes culturas.
Esse contato ocorreu com freqüência cada vez maior após o século III a.C., quando o general grego Alexandre, o Grande, conquistou a Síria, a Babilônia, o Egito e a Pérsia e fundou a cidade de Alexandria, no Egito, destinada a ser o centro intelectual do mundo antigo.


¯ MAGIA E RELIGIÃO ¯

Em todas as sociedades antigas, a magia e a religião estavam interligadas. Acreditava-se que havia muitos deuses e espíritos secundários, bons ou maus, que controlavam a maioria das coisas da vida, eram responsáveis pelo sol e pela chuva, pela prosperidade e pela pobreza, pela doença e pela saúde. O propósito da magia era agradar ou controlar esses espíritos. Assim como a religião, a magia compreendia rituais e cerimônias que apelavam aos deuses. As pessoas acreditavam que os mágicos, assim como os sacerdotes, tinham um acesso privilegiado aos deuses. Só que, em vez de adorar essas divindades, os mágicos lhes pediam, ou até exigiam, favores.
Às vezes os mágicos apelavam aos deuses simplesmente para obter ajuda quando queriam lançar um feitiço ou proferir uma maldição. Mas muitas vezes também tentavam fazer essas divindades aparecerem “em pessoa”. Depois de cumprir uma cerimônia especial a fim de convocar ou invocar um espírito, um mágico da antiga Babilônia ou do Egito podia ordenar ao espírito que levasse embora a doença, abatesse um inimigo ou garantisse alguma vitória política. Era costume ameaçar uma divindade menor com um castigo a ser aplicado por espíritos mais poderosos, caso as exigências do mágico não fossem satisfeitas. Em seguida, o mágico dispensaria a divindade, enviando-a de volta para o mundo dos espíritos. Centenas de documentos da antigüidade confirmam que tentar recrutar espíritos era uma atividade comum, ainda que muitas vezes frustrante, na Grécia e na Roma antigas.
Quase todas as formas de magia antiga dependiam do conhecimento prévio dos nomes secretos dos deuses. Pensava-se que muitas divindades tinham dois conjuntos de nomes, os nomes comuns, que todos sabiam, e os nomes secretos, conhecidos apenas pelas pessoas que estudaram as artes mágicas. De certo modo, esses nomes secretos foram as primeiras palavras mágicas. Faladas ou escritas, julgava-se que elas tinham um grande poder, pois se acreditava que saber o nome verdadeiro de um deus tornava o mágico capaz de invocar todos os poderes que o deus representava. Os sacerdotes egípcios davam a suas divindades nomes compridos, complicados e muitas vezes impronunciáveis, para que forasteiros não pudessem aprendê-los com facilidade. Dizia-se que Moisés havia dividido as águas do Mar Vermelho ao pronunciar o nome secreto de Deus, com setenta e duas sílabas, que só ele conhecia. E, segundo o escritor grego Plutarco, o nome da divindade guardiã de Roma foi mantido em segredo após a fundação da cidade e era proibido perguntar qualquer coisa a respeito dessa divindade — nem mesmo se era macho ou fêmea — para que os inimigos de Roma não descobrissem esse nome e invocassem o deus para seus próprios fins.
A medida que as civilizações antigas foram entrando em contato umas com as outras, tornou-se cada vez mais comum que os mágicos de uma cultura “experimentassem” os nomes dos deuses de outras regiões. Alguns dos manuscritos mais antigos com registros de práticas mágicas, redigidos nos séculos III e IV, contêm listas compridas com os nomes dos deuses de muitas religiões, que poderiam ser inscritos em talismãs e amuletos, ou incorporados a feitiços e encantamentos. Um dos encantamentos mais famosos entre os mágicos gregos e egípcios do século III, supostamente tão poderoso que “o sol e a terra se curvam, humildes, quando o escutam; rios, mares, pântanos e fontes se congelam quando o escutam; pedras explodem quando o escutam”, era composto com os nomes de cem divindades reunidos.


¯ ALTA MAGIA E BAIXA MAGIA ¯

A magia antiga é muitas vezes dividida em duas categorias — “alta magia” e “baixa magia” — que podem ser diferenciadas, fundamentalmente, pelos objetivos de seus praticantes.
A alta magia, que tem muito em comum com a religião, era motivada pelo desejo de adquirir um tipo de sabedoria inacessível por meio da experiência comum. Quando os altos magos (entre os quais figuras notáveis como o filósofo e matemático grego Pitágoras) apelavam a deuses e espíritos, tinham os objetivos mais elevados. Esperavam receber visões proféticas, tornar-se capazes de curar doenças, alcançar o conhecimento de si mesmos ou até se tornarem semelhantes aos deuses.
Muitos sistemas de alta magia também ensinavam que todo ser humano era uma versão do universo em miniatura e continha dentro de si todos os elementos do mundo externo. Acreditava-se que, ao desenvolver seus poderes interiores de imaginação e de intuição, o mágico acabaria por tornar-se capaz de provocar mudanças reais (e aparentemente sobrenaturais) no mundo, simplesmente concentrando suas emoções, sua vontade e seu desejo. Mas adquirir os poderes prometidos pela “alta magia” era tarefa para uma vida inteira.
Muitas outras pessoas se dedicavam à magia com objetivos mais imediatos e mais práticos. Queriam trazer sorte, riqueza, fama, sucesso político, saúde e beleza. Desejavam prejudicar inimigos e conseguir o amor, vencer no esporte, conhecer o futuro e resolver problemas práticos cotidianos. A busca desses objetivos é, em geral, conhecida como “baixa magia” — categoria que, popularmente, inclui também ler a sorte, preparar poções, lançar feitiços e usar encantamentos e amuletos. A partir do século IV a.C, centenas ou milhares de homens e mulheres tornaram-se feiticeiros e adivinhos profissionais, oferecendo magia em troca de um pagamento. Embora muitos deles tivessem reputação de fraudulentos, os registros históricos mostram que pessoas de todas as classes sociais consultavam esses mágicos profissionais com regularidade, alguns publicamente, outros às escondidas.


¯ A REPUTAÇÃO DA MAGIA ¯

Em geral, a magia era mais temida do que admirada no mundo antigo. Mesmo quem nada sabia a respeito acreditava que podia ser prejudicado ou influenciado pela magia de outra pessoa. Se um político se perdia no meio de um discurso ou se alguém ficava doente sem mais nem menos, não era raro supor que a culpa era da maldição de um inimigo. A reputação sinistra da magia tomou impulso por causa de suas ligações com a bruxaria, na imaginação popular. A literatura grega e romana era repleta de descrições muito imaginativas, e muitas vezes apavorantes, de bruxas e de seus métodos desleais. Ericto, uma bruxa criada pelo escritor grego Luciano, do século II, usa partes do corpo humano em suas poções, enterra os seus inimigos ainda vivos e traz cadáveres putrefatos de volta à vida. Embora obviamente se trate de um personagem de ficção (aliás, um personagem inesquecível), Ericto, e outras bruxas como ela, exerceu um impacto muito forte na imagem popular da magia e da bruxaria.
Embora a magia fosse popular entre o público que queria consultar adivinhos e comprar encantamentos e amuletos protetores, as pessoas em posições de poder desconfiavam de astrólogos que prediziam sua morte e de feiticeiros que podiam ser contratados por seus inimigos para prejudicá-los por meio de maldições. Em 81 a.C., o ditador romano Cornélio Sula decretou a pena de morte para “videntes, encantadores e aqueles que usam a feitiçaria com propósitos malévolos, que invocam demônios, desencadeiam as forças da natureza [ou] empregam bonecos de cera com fins destrutivos”. Uma série de leis do mesmo tipo foi instituída nos séculos seguintes, de tal forma que, no século IV d.C., todas as formas de magia e adivinhação foram decretadas ilegais no Império Romano. Ao mesmo tempo, a Igreja cristã, que vinha ganhando poder rapidamente, fez um esforço concentrado para suprimir a magia, tida como concorrente da fé cristã. Decretou-se que todas as formas de magia eram ligadas aos demônios (e, portanto, ao Diabo) e foram proibidas pela lei da Igreja.
A igreja e o governo continuaram a trabalhar juntos contra a magia, ao longo da Idade Média. No entanto as crenças e os métodos mágicos, sobretudo quando ligados à medicina popular (curas mágicas), continuaram a ser transmitidos secretamente e tornaram-se parte do repertório dos “rezadores” ou magos de aldeia dos séculos posteriores (ver herbologia, mágico).


¯ MAGIA NA LITERATURA MEDIEVAL ¯

A partir de meados do século XII, a magia começou a ser apresentada de forma muito mais favorável, pelo menos por escritores de ficção. Primeiro na França e depois na Alemanha e Inglaterra, poetas criaram aventuras maravilhosas, passadas em épocas remotas e repletas de magia, com façanhas de cavaleiros valentes, lindas donzelas e reis heróicos. Esses relatos, hoje conhecidos como “romances medievais”, diminuíam as associações negativas existentes entre a magia, os demônios e a bruxaria.
A palavra “magia” era muitas vezes evitada e os autores, em seu lugar, usavam “maravilha”, “assombro” e “encantamento”. Os heróis possuíam espadas que lhes davam força sobre-humana, pratos que se enchiam de comida sozinhos, barcos e carruagens que não precisavam de cocheiro e anéis que tornavam seu usuário invulnerável ao fogo, ao afogamento e a outras catástrofes. Fadas e monstros da mitologia também apareciam com muita regularidade e muitas vezes era uma fada que dava ao herói exatamente aquilo de que ele precisava para concluir a sua missão. Poções, adivinhação astrológica, feitiços e ervas que curavam tinham também um papel de destaque nessas obras épicas. Embora a noção de “magia negra” ainda persistisse, com feiticeiros e bruxas malignos que surgiam de vez em quando, a maior parte desses relatos apresentava a magia de forma positiva e o público gostava tanto de sua leitura quanto nós, hoje em dia.


¯ MAGIA NATURAL ¯

A magia se tornou novamente respeitável nos séculos XV e XVI, devido à ascensão da “magia natural”, que não supõe a ajuda de demônios nem de seres sobrenaturais. A magia natural, uma espécie de ciência na época, se baseava na crença de que tudo na natureza — gente, plantas, bichos, pedras e minerais — estava repleto de forças ocultas, chamadas de “virtudes ocultas”. Acreditava-se, por exemplo, que as pedras preciosas continham o poder de curar doenças, afetar o estado de ânimo e até trazer sorte. As ervas tinham virtudes ocultas, capazes de promover a cura, e às vezes bastava suspendê-las acima do leito de um paciente. Até cores e números tinham poderes ocultos. Além disso, todos os elementos da natureza estavam ligados entre si, por meios fascinantes, porém ocultos. Os mágicos naturais — categoria que incluía os médicos — tinham o desafio de descobrir essas forças e essas ligações e utilizá-las de forma positiva.
Mas não era nada simples ser um mágico natural sério. Era preciso pesquisar, estudar e observar cuidadosamente a natureza. Às vezes a “virtude oculta” de uma substância era revelada por sua aparência. Por exemplo, a erva scorpius (cujo nome deriva da sua semelhança com o escorpião) era tida como um remédio eficaz contra picadas de aranha. Acreditava-se que plantas e animais com formatos semelhantes tinham propriedades similares. Porém o mais importante para dominar a magia natural era o estudo da astrologia, pois acreditava-se que muitas relações e propriedades ocultas na natureza emanavam diretamente dos planetas e das estrelas. A pedra preciosa esmeralda, o metal cobre e a cor verde, por exemplo, possuíam propriedades oriundas do planeta Vênus. Ciente disso, o mágico natural estava apto a usar esses elementos em diversas combinações, na tentativa de afetar áreas da vida “regidas” por Vênus, como a saúde, a beleza e o amor. Usar o metal chumbo, a pedra ônix e a cor negra era um meio provável de produzir o efeito exatamente contrário, pois os três eram regidos por Saturno e ligados à morte e ao abatimento.
Além disso, o praticante precisava ter vastos conhecimentos de anatomia e herbologia, pois curar doenças era um objetivo importante na magia natural, e uma doença provocada por uma influência planetária podia ser curada por uma erva regida pelo mesmo planeta ou, em certos casos, pelo planeta oposto. O mágico natural era um tipo de mago do mundo natural e um mestre das combinações — misturando, combinando e explorando as propriedades ocultas da natureza de modo a alcançar resultados milagrosos e benéficos.


A magia natural ensinava que plantas e animais de aspecto semelhante
tinham as mesmas propriedades mágicas.

Enquanto nos séculos IX ou X uma pessoa respeitável na certa evitaria qualquer ligação com a magia, no Renascimento a magia natural era aceita como uma área de estudo adequada a intelectuais, médicos, sacer­dotes e todos que tivessem um sentimento de curiosidade científica. De fato, os estudiosos da época se sentiriam muito à vontade se estivessem em Hogwarts, onde muitas matérias da magia natural — herbologia, astrologia, quiromancia, aritmancia e a preparação de horóscopos -fazem parte do currículo.


¯ MAGIA RITUAL ¯

Mas a possibilidade de invocar espíritos nunca ficou inteiramente esquecida. Entre os séculos XV e XVIII surgiu em toda a Europa, e em vários idiomas, uma série sensacional de livros, chamados grimoires (ou Livros Negros). Em sua maioria, eram escritos de forma anônima mas atribuídos a fontes antigas (quanto mais antigo parecesse o livro, mais secreta a sabedoria que ele parecia conter), inclusive Moisés, Aristóteles, Noé, Alexandre o Grande e o famosíssimo rei bíblico Salomão. As ven­das e a circulação eram secretas, no início, pois possuir e usar um livro desses era um crime grave. Essas obras ensinavam métodos que suposta­mente permitiam invocar espíritos e demônios de épocas antigas.
Os grimoires prometiam magia para todos os fins imagináveis: con­seguir amor, riqueza, beleza, saúde, felicidade e fama. Derrotar, amaldi­çoar ou matar inimigos. Ou ainda começar guerras, curar doentes, adoe­cer pessoas sãs, ficar invisível, encontrar tesouros, voar, predizer o futuro e abrir portas sem ter a chave. Não admira que essas promessas tenham tornado esses livros muito populares, sobretudo durante o século XVII, quando edições baratas de certos grimoires se tornaram amplamente acessíveis. Estudantes e sacerdotes, crentes devotados e gente apenas curiosa, todos seguiam as instruções para ver o que acontecia.
Como exigiam cerimônias e rituais complicados, os métodos ensina­dos pelos grimoires eram conhecidos como "magia ritual" ou "magia cerimonial". Em essência, a magia ritual seguia os mesmos passos utilizados, milhares de anos antes, para invocar deuses e espíritos. Primeiro, o mágico traçava um grande círculo no chão, no qual inscrevia palavras mágicas, nomes sagrados e símbolos. Em seguida, se colocava dentro do círculo (que o protegia dos espíritos que ia invocar), pronunciava os encantamentos que fariam surgir o demônio e que garantiriam que seus desejos fossem atendidos. Depois, apresentava suas exigências e mandava o demônio embora. Pelo menos, era isso que se esperava.
Mas, antes que tudo isso pudesse ser posto à prova, haveria semanas, e até meses, de preparação. Segundo muitos grimoires, todo o aparato usado na cerimônia — velas, perfumes, incenso, a espada usada para traçar o círculo mágico, a varinha mágica — tinha de ser novo em folha. Também não se podia simplesmente ir ao Beco Diagonal e comprar as coisas necessárias.


Uma edição francesa do século XVII de A Chave de Salomão,
o mais famoso de todos os grimoires.

As velas cerimoniais tinham de ser moldadas pessoal­mente pelo mágico, com cera fabricada por abelhas que nunca tivessem feito cera antes. A varinha mágica tinha de ser recém-entalhada, de um galho de aveleira cortado de uma árvore com um golpe de uma espada recém-fabricada. As tintas coloridas usadas para traçar desenhos nos talismãs mágicos tinham de ser preparadas na hora e guardadas num tin­teiro novo. Além disso, segundo A Chave de Salomão, a pluma usada para desenhar os talismãs tinha de ser feita com a terceira pena da asa direita de um ganso. Cada etapa tinha de ser cumprida segundo os princípios da astrologia, sob a influência dos planetas adequados, conforme as várias épocas do ano. O mágico também tinha de se preparar espiritual­mente para a cerimônia mediante uma dieta especial, jejum, banho ritual e outros procedimentos de purificação.


Um mágico ritual do século XVI ordena a um demônio que cumpra suas exigências. Acreditava-se que o círculo mágico protegia o mágico contra todo mal.

Nada disso, é claro, garantia que algo iria acontecer durante a ceri­mônia. Na verdade, as instruções eram tão minuciosas, tão específicas e, em geral, tão bizarras, que era quase impossível executar tudo conforme vinha determinado. Não admira, portanto, que, apesar de repetidas súpli­cas, encantamentos e de toda a sinceridade, os espíritos costumassem não aparecer, exceto na imaginação de certos praticantes e dos autores de grimoires. Mas era fácil explicar os fracassos: com tantos detalhes complica­dos, em algum ponto, de alguma forma, tinha de se cometer um engano.


¯ A MAGIA HOJE ¯

A crença na magia entrou em declínio em meados do século XVII, quando as pessoas começaram a descobrir maneiras mais práticas e efi­cientes de enfrentar seus problemas. A química moderna permitiu a cria­ção de novos medicamentos que substituíram os tratamentos criados segundo os princípios da herbologia, da astrologia e da magia natural. Com a ascensão do pensamento científico, as idéias sobre como o mundo funcionava passaram a ser testadas em experiências e o poder das palavras mágicas, feitiços e talismãs foi cada vez mais questionado.
Hoje, a idéia de conseguir poderes extraordinários por meio da invo­cação de espíritos desapareceu na maior parte do mundo moderno. Mas também é verdade que o mundo é hoje mais mágico do que nunca. Coisas julgadas impossíveis, como voar ou conversar com uma pessoa que está do outro lado do mundo, são fatos cotidianos. As aspirações da magia natural — descobrir e controlar as forças ocultas da natureza — foram realizadas pela ciência moderna. E, embora os princípios da astrologia tenham sido invalidados, revelou-se, ironicamente, que todas as virtudes ocultas na natureza vieram, de jato, das estrelas, pois agora sabemos que todos os elementos do mundo natural, inclusive nós mes­mos, tiveram origem na matéria oriunda da explosão de sóis. Assim como era para os antigos, o universo continua um lugar surpreendente, repleto de maravilhas, cheio de possibilidades impossíveis e de magia.
As aventuras de Harry Potter e seus amigos têm sido apreciadas exa­tamente da mesma forma que os romances medievais, no passado, só que por um número de pessoas muito maior. A magia teatral é mais popular do que em qualquer outra época. Seja na forma literária, seja na forma teatral, a magia confirma a nossa intuição de que há uma "outra realida­de". Embora a magia possa não fazer sentido para nossas mentes lógicas, faz muito sentido para nossas mentes criativas e intuitivas, que funcionam segundo um conjunto de regras distinto. O apelo da magia parece não ter nada a ver com o fato de ela ser ou não "real". A magia veio da imaginação e alimenta a imaginação. Acreditamos que será sempre assim.





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