No mundo da bruxaria, a magia é um modo de realizar coisas impossíveis pelas leis naturais, que limitam o resto das pessoas. Os bruxos podem usar o Pó de Flu para ir de um lugar para o outro, ao passo que os não-magos são obrigados a ir a pé ou pegar um ônibus.
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Aos onze anos, Harry Potter tem a maior
surpresa de sua vida. Ao contrário da Tia Petúnia e do Tio Válter, ao
contrário do horrível primo Duda e de todos que ele conhece, Harry é capaz de
fazer mágicas. Pode fazer crescer uma cabeleira da noite para o dia, fazer uma
vidraça desaparecer no zoológico e encolher um suéter feioso, sem a ajuda de
uma máquina de secar. E, conforme Hagrid lhe explica com muita satisfação, um
breve período de treinamento na Escola de Bruxaria e Magia de Hogwarts vai
permitir que ele faça mais, muito mais.
No mundo da bruxaria, a magia é um modo de realizar coisas impossíveis pelas leis naturais, que limitam o
resto das pessoas. Os bruxos podem usar o Pó de Flu para ir de um lugar para o
outro, ao passo que os não-magos são obrigados a ir a pé ou pegar um ônibus.
Alvo Dumbledore pode apontar sua varinha mágica e pronunciar algumas palavras
mágicas para encher o salão de Hogwarts com sacos de dormir. Uma pessoa comum
teria que ir a uma loja, comprar os sacos de dormir, carregá-los em uma
caminhonete, trazê-los até a escola e levar tudo para dentro. Sirius Black pode
usar a magia para se transformar em um cão, enquanto quem não é mago tem de se
contentar em vestir uma fantasia.
Por mais que nos encante ler a respeito
das proezas desses magos ficcionais, a maioria das pessoas no mundo moderno não acredita em magia. Apreciamos as apresentações de mágicos nos teatros ou
circos, que nos dão a experiência da magia, mas na verdade não esperamos que
eles façam o impossível acontecer. E também não são muitos os que acreditam em
uma outra ideia comum da magia, no passado — a idéia de que o mundo é
controlado por seres sobrenaturais, cujo poder pode ser subjugado e usado por
humanos a fim de alcançar seus objetivos.
Porém, ao longo de quase toda a história
ocidental, as pessoas acreditaram de fato na magia e confiavam em forças
invisíveis e sobrenaturais para exercer poder sobre os outros ou para controlar
o mundo natural. As pessoas praticavam a magia para adquirir conhecimento, amor
e riqueza, para curar doenças e prevenir-se contra perigos, para prejudicar ou
enganar os inimigos, para garantir o sucesso ou a produtividade e para conhecer
o futuro. Os métodos mágicos compreendiam muitas das técnicas ensinadas em
Hogwarts, como feitiços, poções, encantamentos e adivinhação, bem como rituais
e cerimônias minuciosas, destinadas a invocar deuses, demônios e fantasmas. A
prática da magia ajudava as pessoas a aliviar suas aflições e ter a sensação de
que faziam alguma coisa para controlar o curso de suas vidas.
¯ A ORIGEM DA MAGIA ¯
A palavra magia deriva do nome dos
altos sacerdotes da antiga Pérsia (o atual Irã), chamados magi. No
século VI a.C., os magi eram conhecidos por sua profunda sabedoria e por
seus dons de profecia. Adeptos do líder religioso Zoroastro, eles interpretavam
sonhos, praticavam a astrologia e davam conselhos aos soberanos a respeito de
questões importantes. Quando os magi se tornaram conhecidos nos mundos
grego e romano, eram vistos como figuras extremamente misteriosas, senhores de
segredos profundos e de poderes sobrenaturais. Ninguém sabia, na verdade,
exatamente que poderes eram esses (afinal, eram secretos!), mas durante um
longo tempo qualquer coisa considerada sobrenatural era tida como criação dos magi
e chamada de “magia”. De fato, o próprio Zoroastro foi muitas vezes chamado
de o inventor da magia.
É claro que, na verdade, nenhum indivíduo e nenhuma cultura isolada
inventaram a magia. Os procedimentos mágicos transmitidos de geração em
geração, ao longo dos séculos, tiveram origem em muitas civilizações, inclusive
nas dos antigos persas, babilônios, egípcios, hebreus, gregos e romanos. A
tradição mágica ocidental, como hoje a conhecemos, deve muito à troca de idéias
entre membros de diferentes culturas.
Esse contato ocorreu com freqüência cada vez maior após o século III a.C., quando o general grego
Alexandre, o Grande, conquistou a Síria, a Babilônia, o Egito e a Pérsia e
fundou a cidade de Alexandria, no Egito, destinada a ser o centro intelectual
do mundo antigo.
¯ MAGIA E RELIGIÃO ¯
Em todas as sociedades antigas, a magia e
a religião estavam interligadas. Acreditava-se que havia muitos deuses e espíritos
secundários, bons ou maus, que controlavam a maioria das coisas da vida, eram
responsáveis pelo sol e pela chuva, pela prosperidade e pela pobreza, pela
doença e pela saúde. O propósito da magia era agradar ou controlar esses
espíritos. Assim como a religião, a magia compreendia rituais e cerimônias que
apelavam aos deuses. As pessoas acreditavam que os mágicos, assim como os
sacerdotes, tinham um acesso privilegiado aos deuses. Só que, em vez de adorar
essas divindades, os mágicos lhes pediam, ou até exigiam, favores.
Às vezes os mágicos apelavam aos deuses simplesmente para obter ajuda
quando queriam lançar um feitiço ou proferir uma maldição. Mas muitas vezes
também tentavam fazer essas divindades aparecerem “em pessoa”. Depois de
cumprir uma cerimônia especial a fim de convocar ou invocar um espírito, um
mágico da antiga Babilônia ou do Egito podia ordenar ao espírito que levasse
embora a doença, abatesse um inimigo ou garantisse alguma vitória política. Era
costume ameaçar uma divindade menor com um castigo a ser aplicado por espíritos
mais poderosos, caso as exigências do mágico não fossem satisfeitas. Em
seguida, o mágico dispensaria a divindade, enviando-a de volta para o mundo dos
espíritos. Centenas de documentos da antigüidade confirmam que tentar recrutar
espíritos era uma atividade comum, ainda que muitas vezes frustrante, na Grécia
e na Roma antigas.
Quase todas as formas de magia antiga
dependiam do conhecimento prévio dos nomes secretos dos deuses.
Pensava-se que muitas divindades tinham dois conjuntos de nomes, os nomes
comuns, que todos sabiam, e os
nomes secretos, conhecidos apenas pelas pessoas que estudaram as artes mágicas. De certo modo, esses nomes secretos foram as primeiras palavras
mágicas. Faladas ou escritas, julgava-se que elas tinham um grande poder, pois
se acreditava que saber o nome verdadeiro de um deus tornava o mágico capaz de
invocar todos os poderes que o deus representava. Os sacerdotes egípcios davam
a suas divindades nomes compridos, complicados e muitas vezes impronunciáveis,
para que forasteiros não pudessem aprendê-los com facilidade. Dizia-se que
Moisés havia dividido as águas do Mar Vermelho ao pronunciar o nome secreto de
Deus, com setenta e duas sílabas, que só ele conhecia. E, segundo o escritor
grego Plutarco, o nome da divindade guardiã de Roma foi mantido em segredo após
a fundação da cidade e era proibido perguntar qualquer coisa a respeito dessa
divindade — nem mesmo se era macho ou fêmea — para que os inimigos de Roma não
descobrissem esse nome e invocassem o deus para seus próprios fins.
A medida que as civilizações antigas foram entrando em contato umas com as outras, tornou-se cada
vez mais comum que os mágicos de uma cultura “experimentassem” os nomes dos
deuses de outras regiões. Alguns dos manuscritos mais antigos com registros de
práticas mágicas, redigidos nos séculos III e IV, contêm listas compridas com
os nomes dos deuses de muitas religiões, que poderiam ser inscritos em talismãs
e amuletos, ou incorporados a feitiços e encantamentos. Um dos encantamentos
mais famosos entre os mágicos gregos e egípcios do século III, supostamente tão
poderoso que “o sol e a terra se curvam, humildes, quando o escutam; rios,
mares, pântanos e fontes se congelam quando o escutam; pedras explodem quando o
escutam”, era composto com os nomes de cem divindades reunidos.
¯ ALTA MAGIA E BAIXA MAGIA ¯
A magia antiga é muitas vezes dividida em duas categorias — “alta magia” e “baixa magia” —
que podem ser diferenciadas, fundamentalmente, pelos objetivos de seus
praticantes.
A alta magia, que tem muito em comum com a
religião, era motivada pelo desejo de adquirir um tipo de sabedoria inacessível
por meio da experiência comum. Quando os altos magos (entre os quais figuras
notáveis como o filósofo e matemático grego Pitágoras) apelavam a deuses e
espíritos, tinham os objetivos mais elevados. Esperavam receber visões
proféticas, tornar-se capazes de curar doenças, alcançar o conhecimento de si
mesmos ou até se tornarem semelhantes aos deuses.
Muitos sistemas de alta magia também ensinavam que todo ser humano era uma versão do universo em miniatura e
continha dentro de si todos os elementos do mundo externo. Acreditava-se que,
ao desenvolver seus poderes interiores de imaginação e de intuição, o mágico
acabaria por tornar-se capaz de provocar mudanças reais (e aparentemente
sobrenaturais) no mundo, simplesmente concentrando suas emoções, sua vontade e
seu desejo. Mas adquirir os poderes prometidos pela “alta magia” era tarefa
para uma vida inteira.
Muitas outras pessoas se dedicavam à magia com objetivos mais imediatos e mais práticos. Queriam trazer sorte,
riqueza, fama, sucesso político, saúde e beleza. Desejavam prejudicar inimigos
e conseguir o amor, vencer no esporte, conhecer o futuro e resolver problemas
práticos cotidianos. A busca desses objetivos é, em geral, conhecida como
“baixa magia” — categoria que, popularmente, inclui também ler a sorte,
preparar poções, lançar feitiços e usar encantamentos e amuletos. A partir do
século IV a.C, centenas ou milhares de homens e mulheres tornaram-se
feiticeiros e adivinhos profissionais, oferecendo magia em troca de um
pagamento. Embora muitos deles tivessem reputação de fraudulentos, os registros
históricos mostram que pessoas de todas as classes sociais consultavam esses
mágicos profissionais com regularidade, alguns publicamente, outros às
escondidas.
¯ A REPUTAÇÃO DA MAGIA ¯
Em geral, a magia era mais temida do que
admirada no mundo antigo. Mesmo quem nada sabia a respeito acreditava que podia
ser prejudicado ou influenciado pela magia de outra pessoa. Se um político se perdia no meio de um discurso ou se alguém ficava doente sem mais
nem menos, não era raro supor que a culpa era da maldição de um inimigo. A
reputação sinistra da magia tomou impulso por causa de suas ligações com a
bruxaria, na imaginação popular. A literatura grega e romana era repleta de
descrições muito imaginativas, e muitas vezes apavorantes, de bruxas e de seus
métodos desleais. Ericto, uma bruxa criada pelo escritor grego Luciano, do
século II, usa partes do corpo humano em suas poções, enterra os seus inimigos
ainda vivos e traz cadáveres putrefatos de volta à vida. Embora obviamente se
trate de um personagem de ficção (aliás, um personagem inesquecível), Ericto, e
outras bruxas como ela, exerceu um impacto muito forte na imagem popular da
magia e da bruxaria.
Embora a magia fosse popular entre o público que queria consultar adivinhos e comprar encantamentos e amuletos
protetores, as pessoas em posições de poder desconfiavam de astrólogos que
prediziam sua morte e de feiticeiros que podiam ser contratados por seus
inimigos para prejudicá-los por meio de maldições. Em 81 a.C., o ditador romano
Cornélio Sula decretou a pena de morte para “videntes, encantadores e aqueles
que usam a feitiçaria com propósitos malévolos, que invocam demônios,
desencadeiam as forças da natureza [ou] empregam bonecos de cera com fins
destrutivos”. Uma série de leis do mesmo tipo foi instituída nos séculos seguintes,
de tal forma que, no século IV d.C., todas as formas de magia e adivinhação
foram decretadas ilegais no Império Romano. Ao mesmo tempo, a Igreja cristã,
que vinha ganhando poder rapidamente, fez um esforço concentrado para suprimir
a magia, tida como concorrente da fé cristã. Decretou-se que todas as formas de
magia eram ligadas aos demônios (e, portanto, ao Diabo) e foram proibidas pela
lei da Igreja.
A igreja e o governo continuaram a
trabalhar juntos contra a magia, ao longo da Idade Média. No entanto as crenças e os métodos mágicos, sobretudo quando ligados
à medicina popular (curas mágicas), continuaram a ser transmitidos secretamente
e tornaram-se parte do repertório dos “rezadores” ou magos de aldeia dos
séculos posteriores (ver herbologia,
mágico).
¯ MAGIA NA LITERATURA MEDIEVAL ¯
A partir de meados do século XII, a magia começou a ser apresentada de forma muito mais favorável,
pelo menos por escritores de ficção. Primeiro na França e depois na Alemanha e
Inglaterra, poetas criaram aventuras maravilhosas, passadas em épocas remotas e
repletas de magia, com façanhas de cavaleiros valentes, lindas donzelas e reis
heróicos. Esses relatos, hoje conhecidos como “romances medievais”, diminuíam
as associações negativas existentes entre a magia, os demônios e a bruxaria.
A palavra “magia” era muitas vezes evitada e os autores, em seu lugar,
usavam “maravilha”, “assombro” e “encantamento”. Os heróis possuíam espadas que
lhes davam força sobre-humana, pratos que se enchiam de comida sozinhos, barcos
e carruagens que não precisavam de cocheiro e anéis que tornavam seu usuário
invulnerável ao fogo, ao afogamento e a outras catástrofes. Fadas e monstros da
mitologia também apareciam com muita regularidade e muitas vezes era uma fada
que dava ao herói exatamente aquilo de que ele precisava para concluir a sua
missão. Poções, adivinhação astrológica, feitiços e ervas que curavam tinham
também um papel de destaque nessas obras épicas. Embora a noção de “magia
negra” ainda persistisse, com feiticeiros e bruxas malignos que surgiam de vez
em quando, a maior parte desses relatos apresentava a magia de forma positiva e
o público gostava tanto de sua leitura quanto nós, hoje em dia.
¯ MAGIA NATURAL ¯
A magia se tornou novamente respeitável nos séculos XV e XVI, devido à ascensão da “magia natural”, que não
supõe a ajuda de demônios nem de seres sobrenaturais. A magia natural, uma
espécie de ciência na época, se baseava na crença de que tudo na natureza —
gente, plantas, bichos, pedras e minerais — estava repleto de forças ocultas,
chamadas de “virtudes ocultas”. Acreditava-se, por exemplo, que as pedras
preciosas continham o poder de curar doenças, afetar o estado de ânimo e até
trazer sorte. As ervas
tinham virtudes ocultas, capazes de promover a cura, e às vezes bastava suspendê-las acima do leito de um paciente. Até cores e
números tinham poderes ocultos. Além disso, todos os elementos da natureza
estavam ligados entre si, por meios fascinantes, porém ocultos. Os mágicos
naturais — categoria que incluía os médicos — tinham o desafio de descobrir
essas forças e essas ligações e utilizá-las de forma positiva.
Mas não era nada simples ser um mágico natural
sério. Era preciso pesquisar, estudar e observar cuidadosamente a natureza. Às
vezes a “virtude oculta” de uma substância era revelada por sua aparência. Por
exemplo, a erva scorpius (cujo nome deriva da sua semelhança com o
escorpião) era tida como um remédio eficaz contra picadas de aranha.
Acreditava-se que plantas e animais com formatos semelhantes tinham propriedades
similares. Porém o mais importante para dominar a magia natural era o estudo da
astrologia, pois acreditava-se que muitas relações e propriedades ocultas na
natureza emanavam diretamente dos planetas e das estrelas. A pedra preciosa
esmeralda, o metal cobre e a cor verde, por exemplo, possuíam propriedades
oriundas do planeta Vênus. Ciente disso, o mágico natural estava apto a usar
esses elementos em diversas combinações, na tentativa de afetar áreas da vida
“regidas” por Vênus, como a saúde, a beleza e o amor. Usar o metal chumbo, a
pedra ônix e a cor negra era um meio provável de produzir o efeito exatamente
contrário, pois os três eram regidos por Saturno e ligados à morte e ao
abatimento.
Além disso, o praticante precisava ter
vastos conhecimentos de anatomia e herbologia,
pois curar doenças era um objetivo importante na magia natural, e uma doença
provocada por uma influência planetária podia ser curada por uma erva regida
pelo mesmo planeta ou, em certos casos, pelo planeta oposto. O mágico natural
era um tipo de mago do mundo natural e um mestre das combinações — misturando,
combinando e explorando as propriedades ocultas da natureza de modo a alcançar
resultados milagrosos e benéficos.
A magia natural ensinava que plantas e animais de aspecto semelhante
tinham as mesmas propriedades mágicas.
Enquanto nos séculos IX ou X uma pessoa respeitável na certa evitaria qualquer ligação
com a magia, no Renascimento a magia natural era aceita como uma área de estudo
adequada a intelectuais, médicos, sacerdotes e todos que tivessem um
sentimento de curiosidade científica. De fato, os estudiosos da época se
sentiriam muito à vontade se estivessem em Hogwarts, onde muitas matérias da
magia natural — herbologia, astrologia, quiromancia, aritmancia e a preparação
de horóscopos -fazem parte do currículo.
¯ MAGIA RITUAL ¯
Mas a possibilidade de invocar espíritos nunca ficou inteiramente esquecida. Entre os séculos XV e XVIII
surgiu em toda a Europa, e em vários idiomas, uma série sensacional de livros,
chamados grimoires (ou Livros Negros). Em sua maioria, eram escritos de
forma anônima mas atribuídos a fontes antigas (quanto mais antigo parecesse o
livro, mais secreta a sabedoria que ele parecia conter), inclusive Moisés,
Aristóteles, Noé, Alexandre o Grande e o famosíssimo rei bíblico Salomão. As
vendas e a circulação eram secretas, no início, pois possuir e usar um livro
desses era um crime grave. Essas obras ensinavam métodos que supostamente
permitiam invocar espíritos e demônios de épocas antigas.
Os grimoires prometiam magia para
todos os fins imagináveis: conseguir amor, riqueza, beleza,
saúde, felicidade e fama. Derrotar, amaldiçoar ou matar inimigos. Ou ainda
começar guerras, curar doentes, adoecer pessoas sãs, ficar invisível,
encontrar tesouros, voar, predizer o futuro e abrir portas sem ter a chave. Não
admira que essas promessas tenham tornado esses livros muito populares,
sobretudo durante o século XVII, quando edições baratas de certos grimoires se
tornaram amplamente acessíveis. Estudantes e sacerdotes, crentes devotados e
gente apenas curiosa, todos seguiam as instruções para ver o que acontecia.
Como exigiam cerimônias e rituais complicados, os métodos ensinados pelos grimoires eram
conhecidos como "magia ritual" ou "magia cerimonial". Em
essência, a magia ritual seguia os mesmos passos utilizados, milhares de anos
antes, para invocar deuses e espíritos. Primeiro, o mágico traçava um grande
círculo no chão, no qual inscrevia palavras mágicas, nomes sagrados e símbolos.
Em seguida, se colocava dentro do círculo (que o protegia dos espíritos que ia
invocar), pronunciava os encantamentos que fariam surgir o demônio e que
garantiriam que seus desejos fossem atendidos. Depois, apresentava suas
exigências e mandava o demônio embora. Pelo menos, era isso que se esperava.
Mas, antes que tudo isso pudesse ser posto
à prova, haveria semanas, e até meses, de preparação. Segundo muitos grimoires,
todo o aparato usado na cerimônia — velas, perfumes, incenso, a espada
usada para traçar o círculo mágico, a varinha mágica — tinha de ser novo em
folha. Também não se podia simplesmente ir ao Beco Diagonal e comprar as coisas
necessárias.
Uma edição francesa do século XVII de A Chave de Salomão,
o mais famoso de todos os grimoires.
As velas cerimoniais tinham de ser moldadas pessoalmente pelo mágico, com
cera fabricada por abelhas que nunca tivessem feito cera antes. A varinha
mágica tinha de ser recém-entalhada, de um galho de aveleira cortado de uma
árvore com um golpe de uma espada recém-fabricada. As tintas coloridas usadas
para traçar desenhos nos talismãs mágicos tinham de ser preparadas na hora e
guardadas num tinteiro novo. Além disso, segundo A Chave de Salomão, a
pluma usada para desenhar os talismãs tinha de ser feita com a terceira pena da
asa direita de um ganso. Cada etapa
tinha de ser cumprida segundo os princípios da astrologia, sob a influência dos
planetas adequados, conforme as várias épocas do ano. O mágico também tinha de
se preparar espiritualmente para a cerimônia mediante uma dieta especial,
jejum, banho ritual e outros procedimentos de purificação.
Um mágico ritual do século XVI ordena a um
demônio que cumpra suas exigências. Acreditava-se que o círculo mágico protegia
o mágico contra todo mal.
Nada disso, é claro, garantia que
algo iria acontecer durante a cerimônia. Na verdade, as instruções eram tão
minuciosas, tão específicas e, em geral, tão bizarras, que era quase impossível
executar tudo conforme vinha determinado. Não admira, portanto, que, apesar de
repetidas súplicas, encantamentos e de toda a sinceridade, os espíritos
costumassem não aparecer, exceto na imaginação de certos praticantes e dos
autores de grimoires. Mas era fácil explicar os fracassos: com tantos
detalhes complicados, em algum ponto, de alguma forma, tinha de se cometer um
engano.
¯ A MAGIA HOJE ¯
A crença na magia entrou em declínio em meados
do século XVII, quando as pessoas começaram a descobrir maneiras mais práticas
e eficientes de enfrentar seus problemas. A química moderna permitiu a criação
de novos medicamentos que substituíram os tratamentos criados segundo os
princípios da herbologia, da astrologia e da magia natural. Com a ascensão do
pensamento científico, as idéias sobre como o mundo funcionava passaram a ser
testadas em experiências e o poder das palavras mágicas, feitiços e talismãs
foi cada vez mais questionado.
Hoje, a idéia de conseguir poderes
extraordinários por meio da invocação de espíritos desapareceu na maior parte
do mundo moderno. Mas também é verdade que o mundo é hoje mais mágico do que
nunca. Coisas julgadas impossíveis, como voar ou conversar com uma pessoa que
está do outro lado do mundo, são fatos cotidianos. As aspirações da magia
natural — descobrir e controlar as forças ocultas da natureza — foram realizadas
pela ciência moderna. E, embora os princípios da astrologia tenham sido
invalidados, revelou-se, ironicamente, que todas as virtudes ocultas na
natureza vieram, de jato, das estrelas, pois agora sabemos que todos os
elementos do mundo natural, inclusive nós mesmos, tiveram origem na matéria
oriunda da explosão de sóis. Assim como era para os antigos, o universo
continua um lugar surpreendente, repleto de maravilhas, cheio de possibilidades
impossíveis e de magia.
As aventuras de Harry Potter e seus amigos
têm sido apreciadas exatamente da mesma forma que os romances medievais, no
passado, só que por um número de pessoas muito maior. A magia teatral é mais
popular do que em qualquer outra época. Seja na forma literária, seja na forma
teatral, a magia confirma a nossa intuição de que há uma "outra realidade".
Embora a magia possa não fazer sentido para nossas mentes lógicas, faz muito
sentido para nossas mentes criativas e intuitivas, que funcionam segundo um
conjunto de regras distinto. O apelo da magia parece não ter nada a ver com o
fato de ela ser ou não "real". A magia veio da imaginação e alimenta
a imaginação. Acreditamos que será sempre assim.
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